Sunday, 06/10/2024 - 07:09
17:13 | 27/06/2019
Era uma vez um homem e uma mulher que tinham um filho único, chamado João, e viviam solitários, num vale afastado, a cultivar pequeno campo.
Um belo dia, a mulher foi à floresta para apanhar uns poucos gravetos e levou consigo Joãozinho, que tinha apenas dois anos de idade. Como era justamente um belo dia de primavera, o menino corria alegremente de um lado para outro, colhendo as lindas flores multicores; e assim foram penetrando cada vez mais pela floresta.
De repente, dois ladrões, saídos de trás de uma árvore, apoderaram-se da mãe e do menino e os levaram para dentro da escura floresta, onde havia anos ninguém penetrava. A pobre mulher lançou-se-lhes aos pés, suplicando que os deixassem voltar para casa; mas os ladrões tinham coração de pedra; não se sensibilizaram com as suas lágrimas e a obrigaram a segui-los.
Depois de terem andado muito entre moitas e espinhos, chegaram ao pé de um rochedo, onde, meio oculta, havia uma porta; os ladrões bateram e logo vieram abrir. Entraram e percorreram um longo corredor escuro; finalmente chegaram a uma grande caverna, que estava iluminada por forte fogo que ardia na lareira.
Nas paredes estavam dependuradas espadas, lâminas e outras armas que reluziam à luz das chamas; no meio estava uma mesa, onde mais quatro ladrões, com o chefe, se entretinham a jogar. Ao ver a mulher trêmula e assustada, o chefe aproximou-se dela procurando tranquilizá-la. Disse-lhe que não tivesse receio, pois não lhe fariam mal algum; ela aí teria de cuidar da casa e, se tivesse tudo em ordem, seria bem tratada e comeria do bom e do melhor. Em seguida, deram-lhe comida, depois indicaram-lhe outra caverna menor onde havia um leito para que ela e o filho pudessem dormir sossegados.
A mulher teve de se resignar e passou longos anos entre os ladrões; João crescia e tornava-se de força extraordinária.
A mãe contava-lhe velhas histórias e ensinava-lhe a ler em antigo livro de aventuras cavalheirescas que encontrara num armário da caverna.
Quando o menino completou nove anos, talhou grande ramo de carvalho um forte cajado e escondeu-o debaixo da cama; depois disse à mãe:
– Agora, querida mãozinha, diga-me quem é meu pai; quero na verdade sabê-lo.
A pobre mulher não quis responder, para que ele não sentisse saudades; pois bem sabia que os cruéis ladrões nunca os deixariam partir.
Mas tinha o coração prestes a arrebentar, pensando que seu querido Joãozinho jamais conheceria o pai. À noite, quando regressaram os ladrões de suas rapinagens, João, armado com o terrível cajado, postou-se diante do chefe e disse:
– Agora quero saber quem é meu pai; se não mo dizes imediatamente, dou cabo de ti com este pau.
O chefe caiu na gargalhada e deu uma bofetada em João, que rolou debaixo da mesa. Sem dizer nada levantou-se, pensando lá consigo mesmo: Esperarei mais um ano, depois tentarei novamente; talvez tenha mais sorte.
Transcorrido o ano, retirou o cajado do esconderijo onde o havia guardado, limpou-lhe o pó e observou-o bem, dizendo:
– E’ um cajado bem forte!
– A noite, chegaram os ladrões e, depois de beberem muito vinho, um jarro atrás do outro, começaram a cochilar e por fim dormiram. João aproveitou a oportunidade, agarrou no pau e, despertando o chefe, tomou a perguntar-lhe quem era seu pai. Como da outra vez, o ladrão aplicou-lhe uma forte bofetada, fazendo-o rolar pelo chão; mas levantou-se logo e fez chover, sobre o chefe e os demais ladrões, uma tal saraivada de pancadas que os deixou moídos, sem poderem mexer sequer um dedo.
A mãe, de um canto, admirava-lhe estupefata a força e o valor. Tendo acabado aquele bonito serviço, João aproximou-se dela e lhe disse:
– Agora levo a coisa a sério, e quero na verdade saber quem é meu pai.
– Meu querido João, – respondeu ela, – temos de sair daqui e depois iremos à sua procura até o encontrar.
Tirou do bolso do chefe, sem grandes dificuldades, a chave da porta da caverna; enquanto isso, João foi buscar um grande saco e encheu-o de ouro, pedrarias e mais objetos de valor, produto das rapinas dos ladrões, carregou o saco às costas, e seguiu a mãe pelo corredor até à porta de saída. Quando se viram ao ar livre, em plena luz do dia, João ficou como que petrificado ao ver pela primeira vez o sol, as árvores, as flores, os pássaros cantando e saltitando por entre os galhos.
Quedava-se boquiaberto, maravilhando-se de tudo o que via. A mãe procurou o caminho certo; encontrou finalmente o atalho que ia dar à sua casinha e em poucas horas lá chegaram.
Quando já estavam bem perto, viu o marido sentado na soleira da porta, de cabeça baixa e muito tristonho. Ao reconhecer a mulher, que se aproximava, qual não foi o contentamento do pobre homem! Chorou de alegria por vê-los e por saber que aquele rapagão era seu querido Joãozinho, pois de há muito os vinha chorando como mortos.
Entraram todos em casa e o pai não cessava de admirar o rapaz que, apesar de só ter doze anos, era mais alto do que ele uma cabeça. Quando João pousou o saco sobre um banco perto da lareira, toda a casa começou a ranger, o banco aprofundou-se no assoalho arrombando-o e foi rolar até à adega.
– Deus nos guarde! – exclamou o pai; que aconteceu? Estás a espatifar a nossa casinha!
– Não precisas ficar de cabelos brancos, meu pai, – disse João; – nesse saco há muito mais do que o necessário para construir uma casa nova.
E, com efeito, abrindo o saco, o pai viu o rico tesouro que ele continha.
João e o pai, imediatamente, puseram mãos à obra; foram comprar o necessário e começaram a construir uma bela casa; depois compraram numeroso gado e muitas outras propriedades. João pôs-se a cultivar as terras, e, quando puxava a charrua, os bois quase que não tinham de fazer força, por tal modo manejava o instrumento com vigor.
Viveram assim, algum tempo, no meio de tranquila felicidade. Mas certo dia, era já primavera, João disse:
– Meu pai, fique com todo o dinheiro nosso e tudo o mais que compramos; mande-me apenas fazer, com um tronco de carvalho, um bom cajado que pese uns vinte quilos. Depois irei pelo mundo afora a fim de conhecer alguma coisa.
Quando obteve o cajado pedido, deixou a casa paterna, pôs-se a caminho e foi ter a uma vasta e sombria floresta. Ouviu um ruído singular, de qualquer coisa estalando; olhou em volta de si e avistou um homenzarrão que estava torcendo um pinheiro para fazer uma corda grossa e o torcia com tanta facilidade como se fosse uma simples vara de vime.
– Olá, – gritou João, – que estás fazendo?
– Arranquei ontem grandes carvalhos e estou fazendo uma corda para amarrá-los, – respondeu o outro.
– Ainda bem! – murmurou João. – Este tem força realmente.
– Deixa esse ofício e vem comigo, – gritou para o homenzarrão.
– Com muito prazer, – respondeu ele; – aborreço- me muito aqui nesta solidão.
Aproximou-se de João e este viu que ele era muito mais alto, apesar de não ser de estatura pequena o rapaz.
– De agora em diante te chamarás Torce-pinheiros, – disse-lhe João.
Meteram-se a andar e daí a pouco ouviram bater e martelar tão fortemente, que a cada golpe a terra tremia toda. Aproximaram-se e viram um gigante que dava murros num enorme rochedo para arrancar pedaços de pedra. João perguntou-lhe o que ia fazer, e o gigante respondeu:
– À noite, quando estou para dormir, chegam ursos, lobos e outra canalha semelhante, que se põem a farejar-me e, bufando terrivelmente, não me deixam dormir. Por isso, quero construir uma casa para me abrigar e poder dormir sossegado.
“Apre! – pensou João – este também pode ser-nos bastante útil!” – E disse-lhe:
– Deixa a construção e vem conosco. De hoje em diante de chamarás Quebra-pedras.
O gigante concordou. E os três juntos penetraram através da floresta. Ao vê-los, os animais ferozes fugiam assustados. Pela noitinha chegaram a um velho castelo abandonado e meio em ruínas; entraram nele e acomodaram-se a fim de passar a noite. Na manhã seguinte, João desceu ao jardim, que estava completamente invadido de sarças, pedras e espinhos. De repente um enorme javali precipitou-se contra ele; mas João, com uma só cajadada, matou-o logo; e carregando nas costas o pesado animal, levou-o para o castelo. Com a ajuda dos companheiros, esfolou-o e enfiou-o no espeto para assar, em seguida comeram o suculento assado.
Então decidiram que cada qual por sua vez ficaria no castelo a cozinhar nove quilos de carne por cabeça, enquanto os outros dois iam caçar. No primeiro dia ficou o Torce-pinheiros encarregado de preparar o jantar; João e o Quebra-pedras foram à caça. Enquanto o Torce-pinheiros estava entretido a vigiar o assado, chegou um velhinho todo encarquilhado, e pediu-lhe um pedaço de carne.
– Sai daqui! – respondeu o outro. – Um aborto como tu não precisa de carne.
Mas, qual não foi o seu espanto quando aquele homúnculo encarquilhado lhe saltou em cima e o encheu de socos, tanto que não podendo defender-se, caiu no chão sem fôlego! O homúnculo não se foi até que não despejou completamente toda a ira no rosto dele.
Quando os outros dois voltaram da caça, o Torce- -pinheiros não contou nada a respeito do anão e muito menos da surra que levara, “mais vale que não saibam a força que ele tem, e que experimentem também alguns murros daquela coisinha” pensou. E regozijava-se ante- gozando a cena.
No dia seguinte, ficou em casa o Quebra-pedras o sucedeu-lhe o mesmo que ao companheiro; foi cruelmente maltratado pelo anão, porque não quisera dar-lhe a carne que ele exigia. A noitinha, quando chegaram os outros dois, Torce-pinheiros logo percebeu pela cara dele, que também tivera a sua parte; mas ficaram calados e pensaram: “Também João tem que experimentar dessa sopa.”
No dia seguinte, era a vez de João ficar em casa. Fez todo o trabalho na cozinha da melhor maneira e, enquanto estava entretido a tirar a espuma do caldeirão, chegou o encarquilhado anão exigindo um pedaço de carne. João disse de si para si: “E’ um pobre diabo, vou dar-lhe um pouco do meu quinhão para não prejudicar os outros.” E cortou-lhe uma bela fatia de carne; o anão, depois de a ter devorado pediu mais outra e o bom João deu-lhe outro bocado maior ainda, achando que era bastante e que com isso devia ficar satisfeito. Mas o anão voltou pela terceira vez à carga.
– Agora basta, – disse João; – és muito descarado.
Então o perverso anão tentou atirar-se a ele e maltratá-lo como fizera aos outros; mas, dessa vez, errou o golpe. Sem se descompor, João aplicou-lhe um par de bofetadas bem dadas, que o fez rolar pela escada abaixo. Quis ainda correr-lhe atrás para completar o castigo, mas tropeçou e caiu de comprido sobre ele. Quando se levantou, o anão já tinha tomado dianteira. João foi em perseguição dele até à floresta e viu-o desaparecer subitamente por uma abertura na rocha. Então voltou para casa, mas fitou bem o lugar.
Os outros dois companheiros, quando voltaram à noite, admiraram-se de encontrá-lo bem disposto como de costume. Ele contou-lhes a aventura e os dois, então não se calaram mais e revelaram o que a eles próprios havia acontecido.
– E’ muito bem feito, – disse João rindo a valer. – Por quê não lhe destes uma pequena porção do vosso jantar? E’ uma vergonha, assim tão grandes e fortes, deixaram-se espancar por um simples anão.
No dia seguinte, munidos de cestos e cordas, foram os três até à fenda do rochedo, por onde desaparecera o anão, e João, pondo-se dentro do cesto, foi descido pelos companheiros até ao fundo do poço. Chegando ao fundo, ele encontrou uma porta solidamente fechada; com grande esforço conseguiu abri-la e viu numa sala, uma jovem linda como o sol, tão linda que é impossível descrever. E perto dela estava acocorado o perverso anão, que, ao ver o rapaz, fez uma careta medonha de porco-espinho. A jovem estava acorrentada e fitou João de maneira tão triste que ele se compadeceu e disse de si para si: “Hei de libertá-la das garras desse horrível anão!” E, sem mais, deu no anão algumas pauladas deixando-o morto no chão. Imediatamente caíram as correntes que prendiam a jovem e João ficou como que subjugado pela sua beleza.
Disse-lhe, então, que era filha de um poderoso rei; mas que tendo recusado casar com um conde perverso, este raptara-a do palácio, trancando-a depois na caverna sob o rochedo, confiada à guarda do mau anão, o qual não cessara de atormentá-la e insultá-la durante o tempo todo.
Quando a princesa terminou de narrar tantas desventuras, João fê-la entrar no cesto; fazendo um sinal aos dois companheiros, estes a içaram para cima e logo depois fizeram descer outra vez o cesto para apanhar João. Mas, quanto este ia subir, lembrou-se que não podia confiar neles, porque já se lhe haviam demonstrado desleais, não lhe contando as peripécias ocorridas com o anão. “Quem sabe lá – pensou ele, – o que estarão tramando contra ti!.” Então, ele colocou o pesado bordão dentro e foi sua sorte, pois, quando o cesto chegou ao meio da ascensão, os companheiros deixaram-no cair de repente; e se João, realmente, se encontrasse dentro dele, teria morrido miseravelmente.
Agora, porém, tendo felizmente escapado de morte certa, não sabia como sair daquelas profundezas e, por mais que matutasse, não encontrava nenhuma saída.
– E’ bem triste, – murmurava ele, – ter que morrer de fome aqui dentro!
Andando de um lado para outro, foi novamente à sala onde encontrara a princesa e viu que o anão trazia no dedo um anel com uma pedra rutilante. Retirou-lho do dedo e colocou-o no seu; mas, pondo-se a girar o anel, inconscientemente, percebeu um súbito farfalhar sobre a cabeça. Ergueu os olhos e viu aparecer muitos espíritos aéreos que lhe disseram ter-se ele tornado seu amo, em virtude daquele anel, e perguntavam o que desejava.
Assim de início, João quedava-se emudecido; refazendo-se porém do espanto, ordenou-lhes que o fizessem subir à superfície. Eles obedeceram prontamente e João sentiu-se levado para cima como se tivesse asas. Ao chegar à luz do dia, não encontrou ninguém perto da rocha; correu até ao castelo, mas também lá não havia ninguém. O Torce-pinheiros e o Quebra-pedras haviam fugido, levando consigo a princesa.
João voltou outra vez o anel e logo se apresentaram os espíritos aéreos, anunciando-lhe que os dois companheiros tinham fugido pelo mar afora.
João largou a correr com a maior velocidade possível e, em breve, chegou à praia; e longe, muito longe, avistou vogando rapidamente um barco que ia levando os perversos companheiros.
Cego de raiva, atirou-se à água para os perseguir, sem refletir que o cajado demasiadamente pesado o arrastava para o fundo; quase se ia afogando quando teve a presença de espírito de voltar muito depressa o anel. Imediatamente ocorreram os espíritos, tiraram-no da água e transportaram-no para o barco.
Então, brandindo o cajado, fez um terrível sarilho, mimoseando os perversos companheiros com o merecido castigo; em seguida atirou-os dentro do mar. Depois pôs-se a remar vigorosamente, reconduzindo a linda princesa, que tanto havia sofrido, para a casa de seus pais. Tendo-a salvo pela segunda vez, via-a agora muito contente, cercada pelos pais e todas as pessoas da corte, muito felizes pela sua volta.
Em recompensa de tamanha bravura, João veio a desposar a linda princesa e mais tarde, tornou-se o rei daquele país, onde viveram longamente, na mais completa felicidade.

 



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